Pode chamar a atenção que um pensamento tão especulativo como o de Hegel seja vinculado à mística. Objectivo do presente artigo é precisamente mostrar que a filosofia de Hegel demonstra um grande interesse pela experiência mística, precisamente na medida em que nela se dá um verdadeiro conteúdo especulativo, ainda que construído em linguagem simbólica e representativa. O artigo está organizado em três partes. Na primeira, o autor define aquilo que Hegel entende por "mística" e "especulação". Na segunda valoriza-se a aportação (...) da tradição mística no âmbito do pensamento especulativo hegeliano, particularmente o contributo de Jakob Boehme. Na terceira parte, o autor analisa a Mística na filosofia hegeliana da religião, atendendo de modo particular ao conceito de "culto" como sendo o lugar em que Hegel situa a unio mystica entre o crente e Deus. Aparece assim que a experiência mística, especialmente a cristã, é altamente especulativa, porque na união com Deus se honra a diferença, se vincula o sujeito com a comunidade e se o compromete pelo amor e a eticidade com o mundo. /// lt might seem unusual that a speculative thought such as Hegel's be related with the mystical This article intends to prove that Hegel's philosophy shows a great interest for mystical experience, because in such experience there is a true speculative content, although built on symbolic and representative language. The article is organized in three parts. In the first one, the author defines what Hegel means by "mystical" and "spe-culation". In the secondpart, he considers the contribution of mystical tradition included in HegeVs speculative thought, especially the contribution of Jakob Boehme. Finally, in the third part, the mystical in Hegel's Philosophy of Religion is analised, especially the "cult" which is the site where Hegel places the unio mystica between the believer and God. It is clear, theny that mystical experience - especially the Christian one - is highly speculative, because in the union with God, difference is honored, the subject is related to the community, and becomes committed, through love and ethics, to the world. (shrink)

A época de Berna (1793-1796) na vida do jovem Hegel marca um período de "proximidade", por um lado, e depois de progressivo "distanciamento", para não dizer mesmo de clara "ruptura", por outro lado, com o pensamento de Kant. O presente artigo visa primeiro precisar qual foi o teor dessa aproximação que se produziu em Hegel com relação a Kant para depois determinar qual foi o seu distanciamento. Na época de Tübingen, Hegel procurou elaborar o seu ideal juvenil com a ajuda (...) dos resultados obtidos pela crítica kantiana da razão prática, a qual coloca a perfeição do indivíduo na sua autonomia moral. Nesse sentido fará de Jesus um "mestre da virtude" tal como o apresenta na sua "Vida de Jesus" (1795). Mas este ensaio inacabado e nunca publicado por Hegel rapidamente lhe pareceu insatisfatório. A Religião não podia converter-se em pura Moral. Mas com isso era também a Política que estava comprometida. Hegel assume o legado da liberdade kantiana, mas dá-lhe outras coordenadas e perspectivas. A liberdade deve investir não apenas o sujeito, mas também o Estado em seu ideal republicano. Ora é precisamente a partir desse momento que se vai produzir o distanciamento de Hegel em relação a Kant. Distância que se acentuará quase até à ruptura quando Hegel na última etapa do período de Berna veio a descobrir os místicos renanos, tais como Meister Eckhart e Tauler, por um lado, e o Evangelho de S. João, por outro, os quais o aproximaram do Amor e da Vida. Um sinal evidente desta mudança espiritual será o seu poema místico Eleusis (1796), o qual Hegel dedicará ao seu amigo Hõlderlin nas vésperas da sua viagem a Frankfurt, momento que marca a sua ruptura definitiva com Kant. /// The period of Bern (1793-1796) in the life of the early Hegel is a time of "proximity", on the one hand, and then, on the other, of growing "distance", if not "rupture", with the thought of Kant. The present article aims, in the first place, to determine the content of the proximity that took place in Hegel in relation to Kant in order to subsequently determine the terms of the distance that soon was to arise. In his Tubingen period, Hegel built his youth ideal with the help of the results attained by the Kantian critic of practical reason, which places the perfection of the individual in his moral autonomy. It is in this sense that Hegel transforms Jesus in a "master of virtue", as he presents him in the work "The Life of Jesus" (1795). But this unfinished essay, never published by Hegel, rapidly appeared to him as very unsatisfactory. Religion could not be transformed in pure Moral. But it was also Politics that was thus compromised. Hegel assumes the Kantian legacy of freedom, but endows it with different guiding lines and perspectives. For him, freedom must invest not only the subject, but also the State in its republican configuration. And it is precisely after this moment that the distance between Hegel and Kant is produced. This distancing will grow almost to the breaking point when Hegel in the last part of his stay in Bern discovered the Rhenanian mystics, particularly Meister Eckhart and Tauler, on the one hand, and the Gospel of John, on the other, a discovery that brought him closer to Love and Life. A clear sign of this spiritual change is his mystical poem Eleusis (1796), which Hegel dedicated to his friend Holderlin just before his move to Frankfurt, a moment that shall mark a definitive rupture with Kant. (shrink)